Um conto de Natal

      Este conto foi escrito para a Coluna da Revista Náutica em dezembro de 2007.

     Ele subiu a amarra e largou as espias no trapiche. Não olhou para trás porque sabia, não deixava alguém saudoso de sua rabugice, e não estava com intenção de voltar. Só queria sair dali e nada importava mais: o que ficou por fazer...

            O vento apertou, ele rizou e voltou ao seu lugar no cockpit. Conferiu a carta. Tudo certo: rumo, vento... só a paz dentro de si estava faltando. Mas ele não se dava conta. Insistia em reclamar de tudo e de todos, colocando a culpa de suas frustrações nas oportunidades que os outros tinham. Ele não. Sempre espoliado, sempre roubado em seus direitos. Sempre lhe puxaram o tapete.

            Navegou dias, parando aqui e ali. Sorria para uns, ignorava outros. Mas, no mais das vezes voltava o assunto para o falar mal dos que não compartilhavam com sua necessidade de ter razão sempre. De estar na frente das boas idéias.

            Assim foram passando os dias. Os anos. Sua vida.

            Um dia, chegou ao porto de onde saíra na juventude. De onde saíra muitas outras vezes. O porto de sua lembrança de menino alegre faz tempo perdida na vida. Sorriu. Acenou. Jogou um cabo na direção do pontão. E nesse momento se deu conta que ninguém o esperava. O cabo ficou ali, jogado. Os sorrisos ausentes e as mãos que não se entendiam deram-lhe mais uma oportunidade de maldizer. A muito custo parou sozinho mesmo. Amarrou seu veleiro e desceu. Viu um menino de costas, sentado no chão, brincando de faz de conta. Parou. Ficou observando a brincadeira. O menino olhou para o velho baixinho e barbudo, tatuado no peito, e perguntou:

 

-         Você quer brincar comigo?

-         De que ? – perguntou o marinheiro.

-         De perdão.

-         Perdão? Perguntou sem saber de que se tratava.

-         É. É assim, você pensa em alguém que tenha feito mal a você e diz em voz alta: “Eu te perdôo”.

 

O velho saiu do sol, andou na direção da rua e parando numa sombra respondeu, de longe:

 

-         Não dá...

Intrigado o menino perguntou:

-         Porque não dá ?

-         As pessoas não merecem perdão. Elas que se danem...

-         Mas se você tentasse... vem pra cá...

 

O velho continuou parado lá na sua simplória lógica, fora do sol. Tudo o que queria era paz. Mas sequer fazia idéia que ela jamais o deixara. Ele é que a escondera sob sua ignorância e falta de capacidade de perdão. Atrás de seu dedo indicador. Só queria ter razão. E sombra... Sombra...

            Morreu só, amaldiçoando o médico que diagnosticou seu mal sem cura: solidão.

            Chegou num lugar sem placas. Não sabia se era céu, inferno, purgatório ou algum lugar entre sua existência e sua morte. O menino estava lá. De costas. Brincando.

 

-         Você quer brincar comigo ?

-         De perdão ? – adiantou-se o marinheiro.

-         Isso. De perdão - respondeu o menino.

-         Já sei... você pensa em alguém que tenha feito mal e diz em voz alta: “Eu te perdôo”, não é assim ? perguntou o velho de barba branca.

-         Não. Essa brincadeira acabou. Agora você tem que ficar aqui sentado esperando as pessoas lá na terra pensarem em você e dizerem em voz alta que te perdoam...

 

    O velho olhou para o menino e se deu conta que ficaria ali por muito tempo ainda...

    A ABVC deseja a você e sua família um Natal cheio de paz e a esperança de que 2008 seja repleto de saúde... e perdões.

FIM

Para mim, ainda vale o que está publicado em miha carta aberta...
(ver Diário de Bordo ano IV)

 

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